Você também pode brincar de ganhar dinheiro com os e-sports

Por Bianca Alvarenga

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A indústria do futebol gera cifras bilionárias mundialmente. Um levantamento da consultoria Deloitte, de junho de 2018, mostrou que somente as ligas europeias dos dois anos anteriores movimentaram cerca de € 25 bilhões – mais de R$ 100 bilhões. O valor supera o PIB de quase uma centena de países. A razão para a movimentação bilionária é simples: o futebol é o esporte mais assistido do mundo. Empresas que transmitem as partidas, anunciantes e patrocinadoras entregam rios de dinheiro aos clubes para ter oportunidade de alcançar os espectadores.

O futebol se beneficia desse poder há quase um século, mas um fenômeno mais recente tem atraído os holofotes que, antes, pertenciam aos esportes mais tradicionais. O mercado de e-sports (contração da expressão eletronic sports, ou esportes eletrônicos, em tradução livre) cresce a um ritmo invejável. Segundo a consultoria de dados Newzoo, o segmento movimentou mais de US$ 900 milhões em 2018, um crescimento de quase 40% em relação ao ano anterior. Em 2021, espera-se que as receitas totais somem US$ 1,7 bilhão.

O Brasil é o terceiro maior mercado de e-sports – perde somente para Estados Unidos e China. Nossa posição no ranking indica que o País já embarcou nessa onda, e ainda há bastante espaço para crescer.

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Afinal, o que são os e-sports?

Os primeiros videogames datam dos anos 70, década popularizada pelo fenômeno Atari. Desde então, e com muito mais diversidade, as plataformas de jogos eletrônicos passaram a suportar jogos com características e funcionalidades das mais diversas, que foram capazes de captar centenas de milhares de jogadores no mundo todo. Além dos jogos para videogame e computador, o fenômeno mais recente de jogos mobile (para smartphones e tablets) endossou essa popularização. O mercado de games, como um todo, faturará U$ 150 bilhões em 2019.

Houve um longo caminho entre o simples passatempo de jogar para a construção de uma nova categoria de esporte e de negócio. A expressão de e-sports foi cunhada quando se percebeu que as competições eram, a exemplo de outros esportes, capazes de atrair o interesse do público. Para o mercado que surge, a questão não é somente a diversão, mas sim jogar em uma competição oficial, transmitida e assistida por um número crescente de pessoas e cujo prêmio é dado ao melhor jogador ou equipe de jogadores.

Os games mais jogados nas competições são Dota, League of Legends (LoL), Counter Strike e StarCraft. Com o crescimento do número de eventos e torneios, outros jogos de videogame também entraram no circuito, como o Fifa, além dos jogos mobile, como Clash Royale.

Mundialmente, os e-sports já angariaram mais de 395 milhões de espectadores nas partidas. Em 2019, esse número subirá para 456 milhões. Tal legião de fãs e seguidores colocará o segmento na lista dos 10 esportes mais populares do mundo, à frente do golfe e próximo de bater o rugby.

O Brasil tem mais de 18 milhões de pessoas que assistem aos e-sports – o equivalente a 9% da população total. A expectativa da consultoria Newzoo é a de que em 2020 a audiência brasileira chegue a quase 30 milhões de pessoas.

“Os fãs brasileiros são dedicados ao seus jogos e equipes favoritas”, diz Jurre Pannekeet, analista da Newzooo. “O Brasil é conhecido por sua paixão pelo mundo esportivo, e o mesmo pode ser claramente visto no mercado de jogos eletrônicos”.

É possível, na verdade, que os e-sports já estejam ganhando essa corrida. A pesquisa da Newzooo mostra que há proporcionalmente mais jovens brasileiros de 10 a 20 anos interessados em e-sports do que em futebol.

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Mina de ouro

As semelhanças com outros esportes ultrapassaram só a atração da audiência. Os jogadores que mais se destacam nas competições têm status de estrelas, faturam milhões de dólares por evento e tornam-se figuras cobiçadas por patrocinadores e anunciantes.

A lógica de atração é a mesma do mercado de celebridades-atletas: quanto maior o rendimento nas competições, mais cobiçado pelas marcas é o jogador.

O chinês Jian Zihao (apelido: Uzi), popular por seu desempenho nos campeonatos de LoL, estrelou uma campanha da Nike ao lado do astro do basquete LeBron James. O americano Tyler Blevins, conhecido como Ninja pela comunidade que acompanha as partidas de Fortnite, fez um comercial para a Samsung.

Há dezenas de outros exemplos, inclusive de gamers que viram garotos-propaganda para marcas de higiene e beleza. Na Rússia, o rosto dos comerciais dos xampus Head & Shoulders não é o do astro do futebol Cristiano Ronaldo, mas sim o do jogador de Dota Roman Kushnarev, conhecido como RAMZES666.

As receitas com direitos de mídia, publicidade e patrocínio equivalem a mais de 70% do total movimentado pelo setor, de acordo com dados da Newzoo.

Ainda que não representem o grosso do valor faturado pelas equipes e jogadores vencedores, as premiações dos campeonatos estão ficando cada vez maiores. Em 2018, o The International 8, competição entre equipes do mundo todo no jogo Dota, distribuiu prêmios totalizando mais de U$ 25 milhões (cerca de R$ 90 milhões). Mais da metade dos recursos totais foram angariados no próprio game, com a venda de acessórios e itens especiais para os personagens dos jogadores.

O valor superou a quantia paga pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) aos vencedores da série A do Brasileirão. Os clubes de futebol, aliás, perceberam o potencial dos jogos on-line e resolveram criar suas próprias equipes. Assim como acontece em outros esportes, os times garimpam os melhores jogadores da rede e os escalam para seu elenco, promovendo patrocínio financeiro.

O ex-craque do futebol Ronaldo Nazario é sócio do CNB, time que compete profissionalmente nos campeonatos de e-sports de LoL (Divulgação CNB)

Flamengo, Corinthians e São Paulo são alguns dos clubes brasileiros que estão entrando nos e-sports. No cenário internacional, grandes times como o Manchester City e o Paris Saint-Germain também têm suas equipes de gamers. Vale dizer que seus atletas on-line não jogam somente simuladores de futebol, como PES e Fifa, mas sim participam de torneios de diferentes jogos.

No ano passado, o empresário e ex-jogador Ronaldo Nazario colocou um time brasileiro de e-sports em seu portfólio de investimentos. Quanto o Fenômeno aplicou na equipe CNB não foi oficialmente divulgado, mas a julgar pela ampla atuação do empresário no mundo esportivo não é difícil imaginar que a aposta em e-sports é um sinal dos novos tempos.

O astro do basquete americano Michael Jordan liderou um grupo de investidores que aplicou U$ 26 milhões na companhia que administra a equipe de e-sports TeamLiquid. Segundo o site Esports Earnings, a TeamLiquid foi o time que mais faturou premiações mundialmente em 2018 – no total, os seus jogadores ganharam U$ 25 milhões em quase 1.500 disputas. Em outubro, quando o negócio foi anunciado, Jordan classificou o setor como “uma indústria internacional de crescimento rápido”.

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Como e onde colocar minhas fichas?

Quem enxerga o mesmo potencial ou se interessa pelo assunto pode também encontrar formas para fazer suas apostas. O caminho mais óbvio é investir nas próprias criadoras de jogos. A conversão de expectadores e entusiastas em consumidores dos próprios games é um fluxo natural, que está sendo bem aproveitado pelas empresas.

Além disso, elas também ganham com a venda de franquias para os times. Esse sistema funciona como nas ligas de futebol americano e basquete: os clubes podem comprar suas vagas nas grandes competições. Cada franquia de jogos como LoL e Overwatch pode custar até U$ 20 milhões. Isso explica o boom nas ações das desenvolvedoras dos games. As ações da chinesa Tencent, dona do jogo LoL, subiram mais de 500% nos últimos seis anos. Já os papéis da americana Activision Blizzard valorizaram mais de 300% no mesmo período. E isso considerando que elas estão, agora, longe do pico.

Para os que se empolgaram com os números, aqui vai o alerta: as ações da Tencent, da Activision Blizzard e de outras empresas do setor estão em baixa desde meados de outubro, devido ao acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, e da entrada em vigor de uma regulação mais rígida para o mercado chinês de games.

Houve uma série de restrições para o lançamento de novos jogos no país asiático, como o controle de conteúdo violento e sensível. A justificativa oficial do governo da China para a adoção da medida foi a de controle dos índices de vício em jogos, miopia e outras doenças que acometem a população jovem. Há quem diga que, na verdade, as autoridades locais querem ter mais domínio sobre a bilionária indústria de jogos.

O momento de baixa pode configurar uma boa oportunidade de compra, mas é importante ressaltar que, além dos dois fatores que estão norteando o mau-humor dos investidores, o aumento da competição entre as desenvolvedoras de jogos tende a colocar o cenário de fartas margens de lucro no passado. Existe um seleto grupo de games que não sai de moda e sobrevive às gerações, como o LoL, mas as desenvolvedoras precisam de um amplo portfólio para garantir diversas fontes de receita. E criar e divulgar novos jogos requer um bom volume de capital, que nem sempre se transformará no retorno esperado.

Outro caminho, não tão simples, é o trilhado por Ronaldo Fenômeno e Michael Jordan: investir nas equipes e nos jogadores. A maior parte dos pro-players (jogadores profissionais) já está agenciada e sob o guarda-chuva de uma grande equipe. Mas assim como no futebol e em outros esportes tradicionais, há olheiros e empresários garimpando novos talentos na rede.

Além das equipes de e-sports pertencentes aos clubes de futebol, há outros times brasileiros que figuram no cenário internacional. A Red Canids, que chegou a ter uma parceria com o Corinthians, recebeu recentemente um novo sócio. O empresário João Paulo Garcia foi conselheiro do Timão, mas desvinculou-se do clube paulista para assumir a nova tarefa.

A MiBR, outra equipe do Brasil, é o maior exemplo de como a aposta em times pode ser uma montanha russa. O time de jogadores de Counter Strike foi um dos primeiros brasileiros a ganhar premiações no exterior. Em 2012, seis anos após o auge, o empresário Paulo Velloso foi obrigado a encerrar o negócio. A marca foi recentemente vendida para um investidor americano, e a MiBR voltou para o cenário competitivo. Mas Velloso afirma que nunca recuperou os R$ 2 milhões que investiu na montagem do time e treinamento dos jogadores.

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Como trabalhar nos e-sports?

O site da revista americana Forbes publicou a lista dos 10 youtubers mais bem pagos de 2018 – cinco deles eram gamers. O mais endinheirado do grupo foi o britânico Daniel Middleton, cujo canal de vídeos do jogo Minecraft tem mais de 20 milhões de seguidores. Middleton faturou US$ 18,5 milhões. Parte da receita vem de uma linha de roupas e acessórios que leva sua assinatura.

Muitos gamers aproveitaram a popularidade e a exposição para fazerem do próprio nome uma marca. Um dos mais populares e premiados jogadores brasileiros, o paulista Gabriel Toledo, conhecido no mundo gamer como Fallen, tem uma loja on-line que vende desde acessórios para computadores, como mouses e teclados, até roupas com sua marca.

A fama e as premiações em dinheiro escalaram a profissão de gamer profissional à lista de sonhos da atual geração. Pergunte a um jovem o que ele quer ser no futuro, e você provavelmente terá como resposta algo relacionado ao mundo de jogos. É como o sonho de ser jogador de futebol para as crianças das gerações anteriores.

Mas existe uma profunda diferença entre jogar por diversão e ser um pro-player. O talento deu lugar à prática como componente essencial para um bom desempenho. Os jogadores do mundo competitivo gastam horas diárias em treinos, para que cada jogada seja perfeitamente executada. O nível de repetição e a pressão pelo resultado roubam muito da experiência de jogar por hobbie.

“Aqueles que querem ser jogadores profissionais devem começar nos torneios menores, que chamamos de ‘copinhas’, e seguir para competições cada vez maiores. Os que destacam inevitavelmente são descobertos pelos times e agenciadores”, diz Leo de Biase, CEO do braço brasileiro da ESL, empresa multinacional de e-sports.

De Biase diz que, apesar de a profissão de pro-player ser a mais buscada, os times contratam um staff completo: técnicos, psicólogos, profissionais de marketing, entre outros.

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O mercado brasileiro vai continuar crescendo?

O Brasil sedia importantes feiras de games, como a Brazil Game Show (BGS) e a Game XP, mas o número de competições de e-sports ainda é modesto. Os valores pagos em prêmios aqui também estão muito distantes das premiações internacionais. No ano passado, mais de 15.000 pessoas foram ao Mineirinho, estádio em Belo Horizonte, para assistir às disputas no ESL One. O prêmio, disputado por equipes de Counter Strike, era de R$ 200 mil.

Os contratos de patrocínio e publicidade ainda caminham a passos curtos. Uma das razões para o descasamento entre a enorme audiência e o baixo investimento do setor de mídia é o cenário econômico. Segundo Leo de Biase, CEO da ESL, a crise econômica afetou a intenção de compra de produtos e serviços de games, o que deprimiu os planos do setor. Mas a projeção para os próximos anos é de, além do aumento da audiência, crescimento da aposta das empresas no setor.

“Em 2019 teremos grandes eventos internacionais sediados no Brasil. Já há empresas que deixarão de patrocinar shows de música para investir no e-sports”, diz De Biase, da ESL.

A julgar pelas boas perspectivas de quem acompanha o setor, há muito espaço para explorar e fazer dinheiro nos e-sports. O que o setor ainda tem a ganhar no Brasil não é brincadeira.

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