Mercado da Cannabis: será que essa onda vai pegar?

Por Fernanda Santos

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O assunto que era tabu até pouco tempo atrás acabou virando uma verdadeira galinha dos ovos de ouro. Mas parece que existem galinhas demais para ovos de menos. Estamos falando da Cannabis, também conhecida como marijuana ou maconha. No Brasil, é proibido fazer uso recreativo e comercializar a “erva”. Apenas para alguns tratamentos de saúde bem específicos, como da epilepsia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a importação de medicamentos que têm maconha na composição, como à base de canabidiol (CBD) e tetraidrocanabinol (THC).

Mesmo com a proibição, o mercado brasileiro é bastante expressivo. Em 2016, o País tinha 2,8 milhões de usuários recreativos. A venda ilegal da maconha é estimada em R$ 5,7 bilhões ao ano no País. Os números constam no Relatório Impacto Econômico da Legalização das Drogas no Brasil, do Congresso Nacional, e dão uma vaga ideia do potencial econômico desse mercado por aqui.

Se por aqui fala-se em potencial, outros países do mundo estão sentindo a brisa dos resultados da legalização recreativa ou medicinal da Cannabis. É o caso dos Estados Unidos e do Canadá, os dois maiores mercados de maconha. Em 2017, a comercialização legal da planta nos Estados Unidos movimentou US$ 6,7 bilhões em uso medicinal e cerca de US$ 1 bilhão em uso recreativo. A expectativa do mercado é que os negócios legais da Cannabis no mundo todo cheguem à cifra de US$ 150 bilhões por ano até 2025, especialmente após o Canadá ter liberado a planta para uso recrativo, no segundo semestre de 2018.

É um número tão expressivo que tem chamado a atenção dos investidores. Empresas estão se destacando com a produção de seda (papel usado para fazer cigarros de maconha), alimentos, bebidas, ansiolíticos para cachorros, entre outros diversos produtos à base de Cannabis. O maior mercado, porém, ainda está com a indústria farmacêutica.

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Onde o sucesso começou?

Quem abriu as portas desse mercado bilionário foram os Estados Unidos. O uso recreativo da maconha está liberado em 10 dos 50 estados americanos. Já o uso medicinal é legalizado em 20 estados. No total, 62% da população têm algum tipo de acesso à Cannabis.

“A maior economia do mundo começou a consumir, liberar e deu start para outras economias embarcarem nessa também. Quando falamos de economia americana, são números absurdos. Nova York tem um PIB (Produto Interno Bruto) maior que o do Brasil inteiro”, afirma William Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities, uma corretora sediada em Miami para investidores internacionais.

No Canadá, o uso recreativo foi totalmente liberado em junho de 2018, enquanto o medicinal já é autorizado desde 2001. A expectativa é que em apenas 3 anos o mercado do uso recreativo da maconha no Canadá alcance US$ 5 bilhões.

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A maconha nas bolsas de valores

As empresas canadenses Cronos Group, Canopy Growth Corp. e Tilray foram as primeiras do mercado da Cannabis a terem suas ações listadas na bolsa de valores – todas atendem o setor medicinal, em pesquisa, cultivo, processamento e distribuição.

As três companhias abriram o capital para os investidores na Nasdaq, em Nova York, em 2018. A Cronos e a Canopy já negociavam papéis na bolsa canadense de Toronto, mas a Tilray decidiu estrear direto no mercado americano.

A ação da Tilray começou sendo negociada a US$ 17 e fechou o primeiro dia a US$ 22,4, em 19 de julho. Dois meses depois, chegou ao topo de US$ 214 – uma valorização de 855,3%. Depois desse pico, a empresa seguiu a tendência de queda das bolsas internacionais. Em 7 de janeiro, o papel estava sendo negociado a US$ 71,9.

A Tilray tem o bilionário americano Brendan Kennedy como CEO. Ele é cofundador da firma de private equity Privateer Holdings, uma das primeiras a apostar no mercado da Cannabis. Recentemente, o grupo Altria, que é dono do cigarro Marlboro, adquiriu 45% das ações da Cronos Group, enquanto a Constellation Brands, proprietária da cerveja Corona, abocanhou 38% das ações da Canopy.

Mas você deve estar se perguntando: se o mercado de Cannabis dos Estados Unidos é o maior do mundo, por que as empresas do próprio país ainda não negociam suas ações?

A resposta é, no mínimo, curiosa. Apesar de ser legalizada em vários estados, a maconha ainda é proibida na Constituição Federal dos Estados Unidos, o que leva as empresas a encontrarem bastante resistência na hora de ingressar na bolsa americana.

O país vizinho, o Canadá, também não permite que as companhias dos Estados Unidos negociem suas ações na Bolsa de Toronto, o que dificulta ainda mais o IPO (abertura de capital, na tradução do inglês). O argumento é que essas empresas, por desrespeitarem leis federais do país de origem, podem ser perseguidas no Canadá acusadas de lavagem de dinheiro.

Vale a pena investir em ações de Cannabis?

Apesar de ser um mercado que já movimenta bilhões de dólares e está em rápida expansão, especialistas acreditam que não é um bom momento para entrar de cabeça.

Para Marcelo Lopez, que é gestor focado em mercado externo da L2 Capital Partners, o mercado da Cannabis tem grande potencial, mas os preços das ações das companhias estão oscilando demais. A tendência é que a maior parte delas se estabilize em um preço mais baixo.

“É um mercado em euforia. Todo mundo quer entrar porque está na moda e, por isso, os preços sobem. Tem empresa valendo mais de US$ 20 bilhões no mercado e nem existe previsão de quando vai dar lucro”, diz Lopez, da L2. “Daqui a pouco, as empresas vão começar a quebrar. Vai ter multa, abuso na regulamentação e os investidores vão ver que os números não estavam certos”

Neste momento, o boom da Cannabis tem muita semelhança com o das criptomoedas, que entraram em declínio. O Bitcoin, que chegou a ser negociado a US$ 20 mil, agora está em torno de US$ 4 mil. Alves, da Avenue Securities, não tem dúvidas de que o mercado da Cannabis ainda vai crescer muito, pois têm um potencial consumidor gigantesco. Contudo, ele concorda que é preciso muito cuidado ao investir, especialmente porque é um universo novo para todo mundo.

“Foram surgindo novas companhias e começou uma bolha especulativa. A Cannabis ainda é um mercado arriscado. Para investir, tem de conhecer muito bem a empresa, o que ela faz de diferente, o time que está trabalhando no projeto”, diz o estrategista da Avenue.

– O que eles sugerem

Os especialistas recomendam que, diante de tantos riscos, quem quiser investir nas empresas de Cannabis aguarde um pouco até que o mercado se estabilize e, enquanto isso, dedique um tempo a conhecer melhor o setor.

“Converse com o maior número de empresas e especialistas das indústrias para entender o potencial. Quando o acerto vier, o preço vai ser outro e o investidor poderá tomar uma decisão melhor”, diz o gestor da L2.

Lembrando que as ações de empresas do setor da Cannabis ainda não são negociadas na B3, a bolsa de valores de São Paulo. Portanto, os brasileiros que quiserem investir nesse ramo precisam fazer a operação com corretoras internacionais – poucas gestoras e corretoras no Brasil fazem essa ponte.

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Cannabis ainda é tímida no Brasil, mas deve crescer

Apesar de o uso e da comercialização serem proibidos, o plantio da maconha para fabricação de medicamentos é permitido no Brasil. O problema é que a Anvisa ainda precisa discutir vários pontos sobre a regulamentação e definir quem, como e onde a erva pode ser cultivada.

Como é tudo muito recente e está indefinido, poucas empresas brasileiras estão se arriscando no setor. É o caso da Entourage Phytolab, que é focada em pesquisa e desenvolvimento de remédios à base de Cannabis.

Esse negócio começou em 2014, quando o advogado Caio Santos Abreu participou de um evento na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O foco eram pacientes que têm dificuldades em conseguir remédios que tenham maconha na composição.

“Os pais reclamaram que para tratar a epilepsia do filho, controlar a crise, tinham de comprar maconha ilegal no tráfico e preparar em casa. Vi que as pessoas precisavam ser atendidas de alguma forma”, diz Abreu à reportagem do IQ Investimentos.

Em 2015, nasceu a Entourage Phytolab, que trabalha na fabricação de medicamentos: um para dores crônicas, um para epilepsia e ansiedade, um para esclerose múltipla, um para crises de epilepsia ou de dor (com efeito em 15 minutos), um para insônia e um antiflamatório muito potente.

Para começar o negócio, o advogado captou R$ 11 milhões com investidores estrangeiros, incluindo a canadense Canopy Growth, que é a maior empresa do setor no mundo. Só em pesquisas, o investimento gira em torno de US$ 40 milhões.

Mas não basta ter dinheiro. Para desenvolver e comercializar medicamentos à base de Cannabis no Brasil, é preciso seguir todas as exigências regulatórias da Anvisa, que são muitas.

Primeiro, o empreendedor foi atrás de uma matéria-prima (a planta da Cannabis) que fosse aceita como insumo farmacêutico no País. A produção e a extração de maconha tiveram de ser instaladas no Uruguai, devido à falta de regulamentação do plantio no Brasil. Mas o laboratório fica na cidade de Valinhos, no interior de São Paulo.

Agora, as pesquisas estão na etapa de testes em animais. A próxima fase deve ser os testes em humanos. A previsão da Entourage é colocar os remédios nas prateleiras das farmácias até 2021.

Mesmo com investimentos altíssimos e um longo tempo de pesquisa, Abreu não tem dúvidas de que está entrando em um mercado valioso.

“Acreditamos que seja possível atingir a um público muito grande de brasileiros. Quando falamos de dor crônica, falamos de 30 milhões de pessoas no País”, afirma o sócio da Entourage. Lembrando que cada medicamento pode ser prescrito também para outras enfermidades.

Há outras startups brasileiras que pegaram carona nesse mercado, ligando pacientes que querem remédios à base da maconha aos médicos que receitam esses medicamentos, como é o caso de Indeov e Dr. Cannabis.

De olho nas startups brasileiras

O mercado brasileiro está tão de olho nos negócios da Cannabis que existe uma aceleradora focada nesse negócio: a The Green Hub. Sediada em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, a empresa detém uma equipe de especialistas que estudam as novidades do mercado e investidores decididos a pagar alto pela aposta. A aceleradora firmou parceria com a New Frontier Data, empresa americana de análise de dados especializada em Cannabis medicinal.

Basicamente, ela seleciona os projetos que acredita, checando sempre se atendem todas as regras da legislação brasileira, e faz uma rodada de investimentos.

“O ciclo da aceleração é de 6 meses. Nesse tempo, investimos capital intelectual e financeiro nas startups, preparando-as para as próximas rodadas de investimento”, diz Marcel Grecco, fundador da The Green Hub.

Mas é importante lembrar que o investimento em startups é considerado de alto risco e longo prazo de retorno. “Startups demoram de 5 a 7 anos para realizar uma saída e remunerar o investimento. Dificilmente, vão proporcionar dividendos (lucros) durante esse período”, afirma Grecco.

Portanto, assim como no mercado de ações, o ideal é ir com calma, conhecer bem as empresas, estudar os projetos e entender mais sobre a própria Cannabis.

“Startup, por natureza, é muito mais arriscada. Mas o potencial de ganho é muito maior. Quem acerta qual vai ser a próxima empresa a surfar na onda, se dar bem”, diz Lopez, da L2 Capital.

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