Por que a Apple quer transformar o mercado de cartões com o Apple Card

Por Maria Teresa Lazarini

No lançamento de seu mais recente produto financeiro, o CEO Tim Cook disse que o Apple Card representará a mais significante mudança do mercado de cartões em 50 anos

Com isenção das principais taxas e tarifas, o produto está direcionado para usuários de iPhones, o que busca garantir exclusividade e aumentar a fidelidade à marca

Pagamento realizado com Apple Card (Divulgação Apple)

O CEO da Apple, Tim Cook, encontrou um bom caminho para justificar a marca de 10 bilhões de transações registradas pelo Apple Pay: o lançamento do Apple Card, um cartão de crédito digital que promete até 3% de cashback e isenção de tarifas, como a da anuidade e a cobrança por transações em compras internacionais. Instalado dentro da carteira digital (wallet) do sistema iOS, a transação é realizada na aproximação do iPhone com uma maquininha de cartão. “Essa pode ser a mudança mais significante na experiência de uso de um cartão de crédito em 50 anos”, disse Cook, no fim março, quando apresentou o produto.

Criado em parceria com o banco americano Goldman Sachs e da bandeira Mastercard, o Apple Card será lançado, inicialmente, apenas nos Estados Unidos. Parte dos analistas americanos do setor de meios de pagamento dizem que esse mercado já está saturado. A outra parcela enxerga uma oportunidade de fidelizar ainda mais aqueles usuários apaixonados pela empresa criada por Steve Jobs.

“O Apple Card é um grande negócio em grande parte porque é da Apple. Eles são uma empresa muito bem-sucedida com uma marca tremendamente valiosa. Muitas pessoas vão querer esse cartão basicamente porque amam a Apple e seus produtos”, diz Ted Rossman, analista de cartões no CreditCards.com, uma empresa da Red Ventures, grupo que detém a marca IQ.

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Os benefícios do Apple Card

A Apple afirma que os benefícios do cartão estão concentrados no cashback. Com ele, os clientes recebem uma porcentagem de volta após fazer uma compra com o cartão. Para compras em lojas e serviços da Apple, como gadgets e jogos na Apple Store, são devolvidos 3% do valor total para o consumidor. Para compras com o Apple Card via Apple Pay, o cashback é de 2%. E para compras com o Apple Card físico, o cliente vai receber 1% de retorno. Ao contrário da maioria dos cartões de crédito do mercado americano, o Apple Card não participa de nenhum programa de pontos.

Exemplo de balanço de compras semanais
Exemplo de balanço de compras semanais (Divulgação: Apple)

Na plataforma de gerenciamento das despesas com o cartão, a Apple aposta na mesma lógica intuitiva de seus produtos. O Apple Card vai conseguir exibir todas as despesas do cartão de forma clara, informando exatamente onde as compras aconteceram, com detalhes de local, data e estabelecimento. Além disso, as compras serão divididas por cores em seções como alimentação, transporte e entretenimento, para que o usuário reconheça suas tendências de consumo. Com isso, o gerenciador compilará todas essas informações e criará um gráfico de tendências a cada dia, além de calculadoras e estatísticas de compras.

A Apple informa que não cobrará anuidade nem taxas para compras internacionais e para faturas atrasadas. Uma das principais bandeiras do Apple Card é ter os juros mais baixos do mercado americano, que variavam de 13,24% a 24,4% ao ano em março de 2019. No entanto, é possível encontrar opções de cartões de crédito nos EUA com juros semelhantes e até menores.

Para Rossman, existem diversos cartões nos EUA com benefícios melhores. Em relação ao cashback, por exemplo, ele cita o U.S. Bank Altitude Reserve Visa Infinite Card, que oferece 3% de cashback em compras por wallet e 4,5% se essas compras forem resgatadas para viagens. Com relação às taxas e aos juros, o especialista do CreditCards.com comenta que diversos cartões oferecem taxas de juros menores; não considerando o Apple Card uma exceção dentro do mercado americano.

“Do ponto de vista de experiência do usuário, o Apple Card pode ser considerado como um cartão médio nos EUA. Ele não apresenta tantos benefícios como outros modelos no país e o cashback oferecido não é tão grande”, afirma Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Assim como acontece nos EUA, existem opções competitivas no Brasil para quem está em busca de um cartão sem anuidade, por exemplo, como é o caso do Credicard Zero, NuBank ou Digio.

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Como vai funcionar o Apple Card?

O Apple Card foi criado para complementar o Apple Pay, o serviço de pagamentos da empresa. Para acessar a solução, o usuário deve acessar o aplicativo Wallet (carteira digital), que já vem pré-instalado em todos os iPhones. A Wallet será a central para todas as operações feitas com o Apple Card. Por meio da carteira digital, o usuário vai consultar compras e limite, quitar a fatura e visualizar o extrato, além de conseguir solicitar o cartão pelo próprio canal. No entanto, o banco Goldman Sachs lembra que será feita uma análise de crédito do usuário que solicitar o cartão de crédito, assim como é feito em todos os outros produtos financeiros do banco.

Mas, apesar de a Apple apostar em soluções 100% tecnológicas, ela reconhece que ainda há muitos de seus usuários presos a velhos costumes.

Entregar um cartão apenas na versão digital soa como uma proposta disruptiva demais – até mesmo para a Apple. Considerando que cerca de 30% dos estabelecimentos comerciais americanos ainda não aceitam pagamento via Apple Pay, a empresa desenvolveu um cartão físico para atender os clientes que ficariam impedidos de pagar a suas compras nesses locais.

Como é comum aos lançamentos Apple, o cartão de crédito físico também precisava ter algo exclusivo para o usuário. Elaborado em titânio, o Apple Card chama a atenção pelo design minimalista. O visual busca quebrar o padrão convencional de cartões de crédito: a parte frontal do Apple Card físico é marcada apenas pelo nome do dono do cartão e o logo da Apple, que são gravados a laser, além do chip. Na parte de trás estão a tira magnética e os logos do banco Goldman Sachs e da Mastercard.

Se você tem um cartão de crédito, provavelmente está se perguntando onde ficam os outros dados. Por uma questão de segurança, considerada como um grande diferencial do Apple Card, o número do cartão e o CVV devem ser consultados na Wallet do iPhone. Por isso, a versão do Apple Card online só pode ser usada por usuários iPhone, já que as informações principais do cartão ficam gravadas no Apple Pay, que não pode ser baixado por outros celulares.

Ao contrário de propostas como a do Nubank, que permite o pagamento com o cartão de crédito físico sem contato com a maquininha, o Apple Card vem com o “bom e velho” chip. Para a Apple, a escolha faz sentido: se uma loja não aceita o pagamento pelo sistema digital da Wallet, ele provavelmente não aceitará via aproximação do cartão, na tecnologia NFC. Para ativar o Apple Card físico, o cliente deverá tocar em um recurso específico no Apple Pay.

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A supremacia dos iPhones

O lançamento do Apple Card reforça a importância do sistema de pagamentos Apple Pay dentro dos negócios da empresa. Porém, em vez de expandir o alcance do produto, a companhia direciona seu cartão de crédito para usuários do iPhone.

“Essa é uma decisão interessante porque a participação de mercado global da Apple para o iPhone caiu para 16%, de acordo com a consultoria Gartner”, diz Rossman, do CreditCards.com. “Eles estão apostando nos usuários de iPhones em um momento que faria mais sentido lançar um cartão de crédito atrativo para uma base de clientes mais ampla.”

Os números do iPhone são bastante discutíveis. Quando o dispositivo completou 10 anos de seu lançamento, em 2007, já haviam sido vendidas globalmente mais de 1,2 bilhão de unidades. Porém, no último trimestre, a Apple vendeu 15% menos iPhones do que no ano anterior.

A decisão da empresa é arriscada, mas a aposta é na fidelidade e na força da marca. De acordo com uma pesquisa feita pela Business Insider, 85% dos usuários de iPhone estão interessados no Apple Card. Segundo o levantamento, 42% dos entrevistados se mostram “extremamente interessados” no cartão, o que é considerado como o dado mais relevante da pesquisa para a Apple.

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Quando o Apple Card chega ao Brasil?

Conforme divulgado na conferência da Apple em 25 de março, o cartão de crédito Apple Card será oficialmente lançado no verão de 2019 nos Estados Unidos, o que equivale à nossa estação de inverno. Por enquanto, a utilização do Apple Card fica restrita aos clientes americanos, mas há boas chances de o produto financeiro chegar, em pouco tempo, a outros mercados.

Em entrevista ao canal americano CNBC, o CEO do Goldman Sachs International, Richard Gnodde, disse que a proposta do Apple Card é começar nos EUA. No entanto, o representante do banco diz que a parceria pensa com certeza em oportunidades internacionais para o cartão de crédito digital da Apple.

Apesar de o Brasil já contar com cartões digitais, como o Credicard Zero e o NuBank, para Arthur Igreja, da FGV, não há nenhuma opção brasileira de cartão que seja tão integrado com uma plataforma digital como é o caso do Apple Card.

“Tem bastante chance de o Apple Card vir para o Brasil, porque dá para contar nas mãos o número de países com 200 millhões consumidores. Para uma empresa conseguir ser grande, ela tem de ser grande aqui também. Acredito que está no radar da Apple trazer o Apple Card para cá”, diz Igreja.

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