Como se aposentar no Brasil e por que se fala tanto em Reforma da Previdência?

Por Redação

aposentadoria

Nunca se falou tanto em aposentadoria no Brasil. Apesar de a cultura do brasileiro ser imediatista, o déficit nas contas públicas provocado – em grande parte – pela Previdência Social obrigou o Governo Federal a pautar a discussão da Reforma da Previdência.

As conversas em torno do assunto começaram quando Michel Temer assumiu a Presidência da República, em sucessão à impichada Dilma Rousseff. Encarregado de retomar o crescimento econômico, Temer conseguiu a aprovação da Reforma Trabalhista e já tinha encaminhado a proposta da Reforma da Previdência ao Congresso Nacional quando a necessidade de barrar duas denúncias que poderiam causar um novo impeachment consumiu todo o seu capital político.

Assunto de grande interesse do mercado financeiro, porém, a pauta foi alvo de debates ao longo da campanha presidencial de 2018. Com a vitória de Jair Bolsonaro (PSL-RJ), uma nova equipe econômica foi formada e, com o cacife político adquirido nas urnas, uma nova proposta de regulação do sistema de aposentadoria no Brasil foi enviada ao Congresso.

A partir de janeiro de 2019, Paulo Guedes, o ministro da Economia do novo governo, começou a se articular para aprovar o projeto que pretende salvar as contas públicas – o déficit da previdência é crescente, o que coloca em risco a capacidade do governo de honrar as pagamentos. Em 2018, o déficit foi de R$ 195,2 bilhões, um aumento de 7% sobre o ano anterior.

Apesar de todas as justificativas, os trabalhadores que dependem desse benefício social se perguntam: quais são as regras atuais da aposentadoria no Brasil? Quais regras vão mudar? E quais são as alternativas a esse sistema?

Neste artigo, vamos responder todas essas questões.

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Quais as regras vigentes para a aposentadoria no Brasil?

Antes de entender quais são as regras vigentes para a aposentadoria no Brasil, é preciso entender que existem quatro tipos de previdência social. Os grupos são compostos por trabalhadores urbanos, trabalhadores rurais, funcionários públicos e militares.

Trabalhador urbano

As regras mais conhecidas, no geral, são as válidas para os trabalhadores urbanos. Eles formam o maior grupo de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e podem se aposentar de três formas diferentes.

A principal delas é a aposentadoria por tempo de contribuição. Segundo as regras atuais, os homens que contribuírem com a Previdência Social por 35 anos ou mais e as mulheres que contribuírem por, pelo menos, 30 anos têm direito à aposentadoria. Nesse modelo, não existe idade mínima e o valor do benefício é equivalente à média salarial ponderada pelo fator previdenciário que é um mecanismo que leva em consideração a expectativa de vida e o tempo esperado de recebimento do benefício para balancear as aposentadorias por tempo de contribuição, ou seja, quanto mais cedo a pessoa se aposenta, maior é o fator e, portanto, maior é o desconto na média do benefício recebido.

Existe também a aposentadoria por idade. Nesse caso, os trabalhadores que contribuíram por, pelo menos, 15 anos e têm 60 anos (mulheres) ou 65 anos (homens) também podem pedir a aposentadoria. O valor do benefício, por sua vez, será proporcional ao tempo de contribuição. Portanto, nesse cenário, o trabalhador que resolve se aposentar já possui descontos no benefício.

Por últimos, há também a modalidade de aposentadoria por baixa renda (Benefício de Prestação Continuada). Ele é concedido a todos os idosos com mais de 65 anos cuja renda familiar per capita não ultrapasse 25% do salário mínimo vigente – em 2019, foi estabelecido em R$ 998. Esses beneficiários recebem um salário como benefício, assim como pessoas de qualquer idade que tenham comprovada deficiência física ou mental.

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Trabalhador rural

Cientes de que o trabalho na cidade é muito diferente do trabalho no campo, o INSS também tem regras diferentes para os trabalhadores rurais. No caso deles, há dois critérios estabelecidos:

Os trabalhadores rurais podem chegar à aposentadoria por idade. Nesse caso, o benefício pode ser requerido por trabalhadores que comprovarem o exercício de atividade rural por, no mínimo, 15 anos e com idade mínima de 55 anos (mulheres) ou 60 anos (homens). No entanto, quem teve empregados não pode ser enquadrado na aposentadoria rural, que é de um salário mínimo e não exige comprovação de nenhum tipo de contribuição.

Ainda dentro do grupo de trabalhadores rurais, há também a opção de aposentadoria híbrida por idade. Nela se enquadram os trabalhadores que atuaram parte do tempo no campo e outra parte na cidade. Para fazer o cálculo da idade com que esses contribuintes podem dar entrada na aposentadoria, o tempo de atividade rural é somado ao tempo de contribuição das ocupações urbanas. Já o benefício é calculado a partir de uma média dos salários em que houve contribuição.

Funcionário público

No caso dos funcionários públicos, cada estado e cada município é livre para definir suas próprias regras (respeitando alguns princípios constitucionais, é claro). No caso dos funcionários públicos federais, a aposentadoria também pode ser concedida em dois cenários distintos:

A primeira modalidade é a aposentadoria por idade mais tempo de contribuição.Por meio dela, o benefício é concedido para mulheres que contribuíram por 30 anos e tem idade mínima de 55 anos e para os homens que têm 35 anos de contribuição e pelo menos 60 anos de idade.

Para calcular o benefício dessa modalidade, no entanto, existem duas regras diferentes. Para aqueles que ingressaram na carreira pública antes da reforma do sistema em 2004, o benefício recebido deve ser equivalente ao último salário integral. Já quem entrou depois, deve receber o equivalente a uma média  dos maiores proventos. Além disso, em 2013, o governo aprovou uma reforma para servidores que estabelece R$ 5.839 como teto dos benefícios pagos pelo INSS. Dessa forma, ninguém pode receber mais do que esse valor no sistema público.

Os funcionários públicos ainda contam com outra modalidade de aposentadoria por idade. Nesse caso, o que é levado em consideração é a idade mínima de 60 anos para mulheres e 65 anos para homens. A única exigência é que o beneficiário tenha um tempo mínimo de serviço público de 10 anos. O cálculo do benefício, por sua vez, é o mesmo da aposentadoria por idade mais o tempo de contribuição.

Cabe ressaltar, no entanto, que dentro da categoria de servidores públicos federais há ainda carreiras especiais como a de professores e policiais. Nessas funções, os requisitos podem ser diferentes. Além disso, há também casos específicos de servidores que atingiram critérios de exceção/transição nas reformas de 2004 e 2013 e que podem conquistar a aposentadoria com condições mais brandas.

Militares

Por último, mas não menos importante, há também a aposentadoria dos militares. Nesse caso, todos eles se aposentam por tempo de serviço: no mínimo 30 anos de carreira. O benefício dos militares da reserva (como se chama aqueles que se aposentaram) será equivalente ao último salário integral ainda que, na prática, os militares não contribuam em nada para a Previdência Social. A alíquota de 7,5% descontada de seus vencimentos serve apenas para custear as pensões por morte pagas a viúvas e dependentes dos ex-integrantes das forças armadas.

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Por que o governo quer mudar as regras para a aposentadoria?

Como você já deve saber (ou pelo menos desconfiar), o problema das regras para aposentadoria vigentes descritas acima é que elas foram calculadas em uma época onde havia muito mais pessoas ingressando no mercado de trabalho e na ativa do que se aposentando.

Isso não seria um problema se a Previdência Social no Brasil fosse estruturada no sistema de capitalização, onde cada pessoa contribui para a sua própria aposentadoria. Porém, o sistema utilizado atualmente é o de repartição, no qual quem está na ativa contribui para pagar o benefício de quem está aposentado.

Na ocasião em que esse sistema foi criado, havia proporcionalmente muito mais pessoas trabalhando para cada aposentado. Atualmente, porém, a mudança na matriz etária da população brasileira (que está envelhecendo) gera graves dificuldades para fazer essa conta fechar.

Dessa forma, o rombo provocado nas contas públicas não para de crescer. Para se ter uma ideia, o déficit (diferença entre o que foi arrecadado com as contribuições e o valor distribuído nos benefícios) em 2018 foi de R$ 195,2 bilhões. E não se trata de um resultado atípico. Na verdade, o INSS não apresenta resultados positivos (superávit) consecutivos há mais de duas décadas.

Por esse motivo, o governo tem comprometido outras contas progressivamente para pagar o benefício dos aposentados. Em vez de investir em saúde, educação ou em tantas outras áreas que carecem de investimento, o Estado está aplicando anualmente bilhões de reais no colchão previdenciário. Atualmente, mais de 58% do orçamento federal é destinado para gastos com aposentadoria. Se mudanças não forem feitas, a tendência é que, em apenas cinco anos, mais de 80% das contas públicas serão ocupadas por essa despesa, o que vai fazer com que o governo fique paralisado, sem conseguir arcar com todos os compromissos fiscais.

O problema de ter um governo no vermelho é que isso implica em uma série de efeitos negativos na economia real: menos investimentos, mais risco, encarecimento do crédito e a criação de um ambiente instável para empreendedores. Se o próprio Estado caminha para a insolvência, como confiar no País?

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Quais as novas regras para aposentadoria propostas pelo governo?

Diante desse cenário de futuro colapso das contas públicas, o governo federal, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, apresentou uma nova proposta de Reforma da Previdência. O projeto tem algumas diferenças com relação ao enviado ao Poder Legislativo pelo ex-presidente Michel Temer. A intenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, é economizar R$ 1 trilhão ao longo dos próximos 10 anos, o que, segundo ele, seria suficiente para custear a transição do atual regime de repartição para o regime de capitalização, onde cada um passa a contribuir para sua própria aposentadoria.

Segundo esse projeto, que ainda deve passar por uma série de alterações no Congresso Nacional antes de ser aprovado, as novas regras seriam:

Trabalhadores urbanos

Os trabalhadores urbanos precisariam esperar mais para poderem se aposentar, isso porque a idade mínima das mulheres subiria para 62 anos e dos homens para 65 anos. Além disso, ambos precisariam ter contribuído por, pelo menos, 20 anos para ter acesso ao benefício.

Trabalhadores rurais

As regras para a aposentadoria dos trabalhadores rurais também mudariam. Além da idade das mulheres se equiparar à dos homens em 60 anos, ambos teriam de contribuir por 20 anos, e não mais 15, para receber a aposentadoria.

Funcionários públicos

Responsáveis pela maior parte do déficit causado nas contas da Previdência Social, os funcionários públicos também teriam de passar a respeitar a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, além de ambos terem de passar a contribuir pelo menos 25 anos, sendo pelo menos 10 anos no serviço público e pelo menos 5 anos no cargo atual.

Militares

Já no caso dos militares, as novas regras seriam mais complexas. Em primeiro lugar, a alíquota de 7,5% descontada atualmente dos vencimentos subiria para 10,5% e os pensionistas também passariam a ter de pagá-la (atualmente eles são isentos). O tempo de serviço dos militares da ativa também subiria de 30 para 35 anos e a lista de beneficiados que têm direito ao sistema de pensões seria restrita aos maridos, mulheres, filhos e pais sem renda dos integrantes das forças armadas.

Dessa forma, a princípio, pode parecer que a reforma da previdência dos militares (uma proposta que foi apresentada separadamente pelo atual governo) é até mais dura do que com os restantes dos trabalhadores. Porém, o projeto veio atrelado a uma reestruturação de carreira dos militares que envolve reajuste no salário de algumas patentes mais baixas, além de uma política de adicionais e gratificações que, na prática, consumiria quase toda a economia gerada com as novas regras.

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Quais as alternativas ou complementos para a previdência social na aposentadoria?

Além dos sistemas públicos (INSS e servidores federais, estaduais e municipais), dezenas de instituições financeiras brasileiras estão habilitadas a oferecer fundos privados de aposentadoria. Essa tem sido uma alternativa interessante para quem não quer “correr o risco” de depender, exclusivamente, do sistema público de aposentadoria. Atualmente, mais de 14 milhões de brasileiros têm planos privados de previdência.

Basicamente, os planos funcionam da seguinte forma: o investidor faz contribuições periódicas ou uma única contribuição com valor mínimo para um fundo próprio. Aplicado, o dinheiro rende e forma um patrimônio. Ao se aposentar, o investidor pode sacar todo o saldo acumulado de uma só vez ou recebê-lo em parcelas mensais.

Esse modelo configura uma aplicação que pode ter taxas de rendimento excelentes, mas que deve ser feita pensando no longuíssimo prazo, pois os descontos para retiradas no curto prazo podem fazer com que o investimento não valha a pena.

Além disso, é importante lembrar que os fundos de previdência não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), portanto, não há um “seguro oficial” no caso dos gestores declararem falência, por exemplo.

Dito isso, também é importante saber que existem dois tipos diferentes de previdência privada: o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre).

PGBL

O ponto positivo do PGBL é que os depósitos feitos no fundo podem ser utilizados para abatimento de renda declarada no Imposto de Renda (IR), com um limite de 12% da renda bruta anual tributável. Nesse caso, por exemplo, se o investidor tiver uma renda bruta anual de R$ 1.340 e fez aportes que somam R$ 15 mil naquele ano, o desconto do IR se dará apenas sobre R$ 115 mil. Na prática, o governo oferece um incentivo para que você faça o investimento na sua aposentadoria.

A desvantagem é que o Imposto de Renda cobrado no momento do resgate será calculado com base em todos os recursos em custódia e não somente sobre o rendimento da aplicação, pois o contribuinte já obteve vantagem no depósito. Além disso, o incentivo tributário só se aplica a declarantes do IR pelo regime completo e, de qualquer forma, há um limite para o benefício.

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VGBL

Modelo adotado por 80% das pessoas que fazem fundos de previdência privados, o VBGL tem a vantagem de, ao resgatar o investimento, o Imposto de Renda cobrado ser apenas sobre a fatia dos rendimentos da aplicação e não sobre o montante total. Nesse caso, se o investidor tem R$ 1 milhão aplicado e o rendimento foi de R$ 300 mil, o IR será calculado apenas sobre os R$ 300 mil e não sobre o R$ 1 milhão. Isso ocorre porque os recursos aplicados em VGBL são o próprio capital do indivíduo e não houve isenções na renda.

Por outro lado, não é possível usar os depósitos feitos na aplicação para deduzir o valor da renda bruta anual na declaração do Imposto de Renda.

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Existem mais opções?

De maneira geral, portanto, o VGBL faz mais sentido para trabalhadores que querem compor um fundo com mais recursos. Já o PGBL é indicado para casos em que o declarante opta pelo regime completo de IR e cujo valor de abate esteja dentro do limite de 12,5% do seu salário.

Além disso, algumas empresas oferecem planos abertos de previdência para seus funcionários, viabilizados por PGBL e VGBL. Em geral, a condição desse tipo de aplicação é a da contribuição solidária, ou seja, a empresa também deposita um valor no fundo do trabalhador. Nesse caso, se essa alternativa estiver disponível para você, é altamente recomendável que você a faça, pois os recursos depositados pela empresa se tornam uma importante fonte de renda adicional na aposentadoria.

Por fim, é importante saber que os fundos PGBL e VGBL foram desenhados pensando especificamente em alternativas ou complementos à aposentadoria paga pelo INSS. Mas, qualquer outro tipo de investimento é válido para compor a renda que será utilizada em uma fase da sua vida em que você já não terá mais a mesma força para o trabalho e precisará consumir parte do patrimônio construído ao longo da vida.

Os fundos de previdência privados, no geral, oferecem condições que estimulam a reserva de dinheiro para essa fase da vida e apresentam bons rendimentos. No entanto, caso você tenha disciplina e conhecimento, pode encontrar outras soluções que garantam a você uma aposentadoria mais tranquila.

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